9 de ago. de 2010

Intersecções entre o Direito e a literatura nacional

X - Felicidade

"Todos nós temos em nossa alma um cantinho, que, apesar dos anos, da experiência e dos trabalhos, fica menino até que enfim o homem volta à primeira infância. Nesse cantinho dormem as ilusões ingênuas, as esperanças findas, a fé robusta e sobretudo certos laivos de loucura que tonificam a razão".
Qual será preço da felicidade ?
Ricardo, um dos personagens criados por José de Alencar, por vezes se embalava em ilusões sedutoras, a sonhar com bilhetes de loteria ou cartas de jogar, imaginando verdadeiros Sonhos d’Ouro a sustentar-lhe a luta pela fortuna.
Formado em Direito, estabeleceu-se no Rio de Janeiro como advogado. Obteve para si escritório, colocou seu nome na porta, e valeu-se de anúncios diversos que trouxessem os clientes. Mas, com três meses decorridos, "apenas de tempos a tempos, uma inquirição, ou algum requerimento, ia ajudando a compensar as despesas".
Acontece que, morto o pai, transformou-se Ricardo ainda bem jovem no único arrimo de uma família pobre e endividada. Assim, confiava ao trabalho os recursos indispensáveis para desempenhar a velha casa onde morava a mãe e a irmã. Era o único patrimônio que tinham e eram necessários vinte contos de réis para livrá-lo das hipotecas.
Embora sentisse Ricardo que não tinha real vocação para a profissão forense "aceitava a carreira como um dever, pela impossibilidade de escolher outra que lhe proporcionasse os meios de subsistência e os recursos para manter a sua família, que se achava em circunstâncias precárias". Seria, pois, o Direito o ofício do qual se serviria para realizar, um a um, seus Sonhos d’Ouro.
Aos poucos a fortuna acenava para Ricardo num sorriso escasso, mas ainda assim um sorriso, que não obstante luziu como a aurora na sombria perspectiva de sua existência. Conseguira dois processos policiais que lhe tinham metido no bolso uma nota de duzentos. Pôde, então, mudar-se para um cômodo que achara na Rua da Ajuda, um sótão mobiliado.
Depois disso, um outro escritório, já melhor situado na rua do Rosário. Ricardo trabalhava agora num processo-crime importante, uma falsificação de firma. O negociante que havia sofrido a fraude procurara Ricardo em vista da nobreza de seu caráter, certo de que a acusação seria defendida, por essa razão, com mais energia.
E esse não foi o primeiro cliente importante que o jovem bacharel recebeu em seu escritório. "De um lado chegavam propostas, que exigiam para resolvê-las um jurisconsulto, ou pelo menos um provecto advogado. Do outro, minutas de contratos e escrituras". Aos poucos, foi granjeando Ricardo o favor dos comerciantes da cidade. Em algum tempo, o escritório do rapaz ficara bastante creditado, recebendo clientes magníficos, mas ganhando sofrivelmente. Entretanto, "rendia para lhe permitir mais que a decência, sem sacrifício de alguma economia".
Não se pode dizer que por meio do Direito tenha Ricardo realizados seus Sonhos d’Ouro. Mas a inteligência e a sensibilidade do moço o conduziram ao mais certo dos raciocínios : "nao é só a opulência que tem o direito de ser feliz neste mundo ; ao contrário, muitas vezes ela não acha no meio de seu luxo um instante da alegria que enche a casinho do pobre".

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